A descodificação de uma entrevista possível
A descodificação da entrevista possível do Arq. Gonçalo Byrne ao Expresso Imobiliário de 23 de Agosto de 2003 (*)
A leitura de uma peça jornalística tem por si só, diferentes escalas de leitura. Ao percorrer os olhos por esta entrevista, destacam-se três elementos distintos que representam três níveis de leitura da mesma; as imagens do arquitecto, o título e a respectiva entrevista.
A imagem é indubitavelmente o elemento de maior alcance, ainda que a entrevista não seja lida, a imagem é olhada. Byrne sabe-o bem, e por isso existe um enorme cuidado na sua elaboração. O arquitecto aparece aos nossos olhos como um ser simpático, sereno, circundado pelo seu mundo de Saber (livros) e Método (dossier sobre a mesa). Esta noção surge reforçada na entrevista quando se socorre de Vitrúvio para definir “a boa arquitectura”; “utilitas”, “firmitas” e “venustas”.
Num segundo estrato temos o título - “A qualidade das cidades ainda não dá votos”. Neste caso, o título não revela um tema da entrevista nem uma ideia forte que ela contenha. Esta ideia chave, aparece descontextualizada e carente de desenvolvimento aprofundado na entrevista, revelando-se unicamente como um tiro jornalístico falhado. O título impõe um “standard” ao qual a entrevista não corresponde, o que faz com que a ideia de não haver uma cidadania sensibilizada para a resolução dos problemas da cidade, passe de uma forma leviana e seja facilmente rebatível com alguns exemplos (não terá sido pela cidade que João Soares construiu, que hoje temos Santana Lopes como Presidente da Câmara de Lisboa?).
A entrevista prossegue com um carácter muito determinado pela condução do jornalista. Byrne responde de uma forma ligeira sem aprofundar muito os temas sobre os quais vai discorrendo. As suas respostas não são nem para arquitectos nem para filósofos. O desenrolar da entrevista aponta claramente para aquele “spot” de mercado “classe B” que compra o Expresso, o arquitecto propaga uma retórica toda em torno do seu “eu arquitecto” deixando no ar as suas capacidades de homem do saber para resolver problemas na cidade.
A espaços, Byrne acende algumas achas que lhe permitem manter o “arquitecto leitor” interessado, quando aflora a temática do espaço intersticial da cidade ou da “grande paisagem”, contudo, nunca descorando o alvo e o sítio em que será publicada esta entrevista.
Todo o discurso de Byrne centra-se em torno da cidade de hoje e das suas dissonâncias, atribuindo a sua responsabilidade à falta de consciência do cidadão, dos agentes políticos ou económicos e do arquitecto “genérico”. Dir-se-ia que, no fundo e de uma forma muito moderada, constrói um enorme todo que iliba qualquer um.
Como conclusão recordo Natália Correia:
"Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro”
(*) Seria de natural interesse colocar neste espaço um link para a entrevista alvo desta crítica, contudo, os conteúdos do Expresso são pagos. Se alguém encontrar esta entrevista noutras paragens agradeço que me avise.