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quarta-feira, novembro 19, 2003
 
Comunicação ao II Congresso Nacional da Ordem dos Arquitectos
Neoliberalismo, a Arquitectura faz mal


O Comissário Europeu para a Concorrência, Mario Monti, em resposta de 5 de Novembro de 2003, a uma normativa de Tabela de Honorários Mínimos estabelecida pela Ordem dos Arquitectos Belga disse:
"Fixar ou recomendar honorários pode prejudicar consumidores e profissionais. É altamente duvidoso que tabelas de honorários contribuam para garantir altos níveis de qualidade. Pelo contrário, a sua não aplicação pode fazer com que os consumidores encontrem a melhor solução para as suas necessidades em termos de qualidade/preço. Os profissionais, quando existem Tabelas, não são incentivados a inovar e a tornarem-se economicamente eficientes."

Contudo estas ideias já correm há muito tempo, por essa Europa fora.
A 10 de Junho de 1997 em França, o Conselho da Concorrência proibiu a Sociedade Francesa dos Arquitectos (SFA) de estabelecer ou difundir Tabelas de Honorários .
Na Grã-Bretanha o Office of Fair Trade preveniu a RIBA que as indicações de honorários, difundidas pela organização britânica de arquitectos, podiam facilitar o conluio. Esta interpretação, levou a RIBA, a emitir tabelas de carácter histórico e de tendência, que nunca se referissem ao ano em que foram publicadas.

A estruturação da profissão a partir desta "justiça" que Mario Monti ou a inteligência Europeia defendem, não é mais que a configuração de um Neoliberalismo globalizante e avassalador.

Mário Monti, equipara a prestação de serviços de um arquitecto a uma mercadoria de supermercado. Existe uma prateleira, onde todos nos expomos e o consumidor compra aquele que tiver a relação qualidade/preço mais do seu agrado.
"Simples", "Normal" e "Justo" diria o amigo Sílvio "desenhador" de toda a periferia de Milão.
Para estes senhores esta é a sua cidade da "Justiça".
Uma cidade em que a qualidade da prestação de serviços de arquitectura é definida pelo capital do consumidor, uma cidade em que a arquitectura é colocada nas montras dos seus supermercados e nos anúncios dos seus media, uma cidade onde a "Justiça" do capital se impõe à cidadania e à polis.

Para além desta estratégia de cidade, transversal entre países da Comissão Europeia, existe também uma perspectiva para a profissão de que, sem o "Justiceiro Mercado", a classe dos arquitectos não é nem inovadora nem economicamente eficiente.
Para estes senhores, noções como "inovação" e "eficiência económica", estão indefectivelmente ligadas a negociações de honorários e transferência de capitais.

Contudo, em Portugal esta visão estratégica já começa a trilhar caminho, mais concretamente no que diz respeito às relações laborais entre arquitectos.

A condição precária do arquitecto assalariado é hoje regra e quase lei.
Não se negoceiam contratos, não existem contratos.
Procuram-se definir valores por hora ou um salário base que ronda os limiares de pobreza.
Neste sistema de ultra-liberalização do trabalho assalariado, não existe nem o 14º nem o 13º mês, estando muitas vezes o 12º mês (de férias) em causa.
A prestação do trabalho acaba quando o gabinete entender, sem que alguma vez seja reconhecido ao arquitecto assalariado a sua condição de desempregado.

No dia em que a porta se fecha resta-lhe dirigir-se à sua repartição de Finanças para dar baixa de actividade, evitando assim o "encargo" da Segurança Social.

Ou seja, quando em Portugal, falamos de trabalho assalariado em gabinetes de arquitectura, temos de ter consciência que as condições laborais estão ao nível das que existiam na Revolução Industrial, e que, a possibilidade de se avançar para algumas conquistas que reestruturem a classe, terão necessariamente de passar por uma ética e deontologia profissional regulada pela Ordem dos Arquitectos.

Ao contrário de outras áreas profissionais esta é uma situação que, afecta sobretudo as camadas mais jovens.
O jovem arquitecto, no início da sua vida profissional, depara-se com uma realidade de mercado extremamente agressiva que impossibilita qualquer perspectiva ou visão de médio prazo do seu papel social. Por isso, existe um cada vez maior êxodo de licenciados em arquitectura para o estrangeiro, em busca de uma realidade que lhes seja garante de uma vida e de uma profissão.

Contudo, embora afecte sobretudo uma faixa etária relativamente circunscrita, identifico-o como um dos problemas estruturantes da profissão e uma das matérias onde a Ordem dos Arquitectos tem um longo caminho a percorrer. Actualmente, 67.31% dos Membros Efectivos da Ordem dos Arquitectos têm menos de 40 anos e 40.90% têm menos de 33 anos.

Não posso deixar de referir neste ponto, o efeito devastador que os estágios, e mais concretamente os estágios da Ordem, tiveram no mercado de trabalho.

O boom de Estagiários em busca do estágio obrigatório, fê-los aceitar situações laborais precárias, tantas vezes inumanas, às quais raramente corresponde o salário mínimo.
A "regra de mercado", da "inovação" e da "eficiência económica" que fala o Comissário Mario Monti são em Portugal bem absorvidas com o não pagamento de salário a estagiários e, a progressiva substituição do arquitecto assalariado por um, dois ou três estagiários, baseada na irreversibilidade economicista da qualidade/custo zero.


Perante o diagnóstico feito parece-me inevitável que estas considerações dêem origem a uma proposta/recomendação ao II Congresso Nacional da Ordem dos Arquitectos para que:


  se estabeleça, no novo Regulamento de Admissão, um salário mínimo para o Arquitecto Estagiário

  se verifique uma posição mais pró-activa da OA em matéria deontológica e de relação laboral entre a classe.

  se iniciei um processo de elaboração de tabelas de referência e comparação de honorários anuais de modo a evitar uma ainda maior desregulação do mercado


Tiago Mota Saraiva
 
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