Carrilho quer videovigilância em "zonas críticas" de Lisboa
A propósito das declarações de Carrilho não posso deixar de aqui reproduzir parte de um artigo que escrevi para a revista "Cadernos Vermelhos" (publicarei o artigo na íntegra assim que a revista estiver nas bancas).
01. Segurança
“Na Cidade do Rock; três minutos pela Paz e por um Mundo Melhor”. É deste modo que nos foi apresentado, no início do séc. XXI, um evento musical que pretendia acolher as maiores estrelas do momento dentro de uma área reservada numa qualquer cidade do mundo. Na sua propaganda e diria que também na sua essência, sempre esteve implícita a ideia de construir uma “outra cidade” por oposição à que existe. Uma cidade que funcionasse (para quem nela tem oportunidade de viv€r) sob a forma de um palco para a catarse humana e revestida das mais etéreas preocupações mundiais. Esta “outra cidade” (dentro da velha) é projectada a partir dos seus limites e das suas portas, como forma de controlo de acessos e revoltas. Dentro das suas muralhas existe uma outra ordem que é visível, desejada e absorvida.
Partindo do exemplo de cidade que foi construída para o Rock in Rio – Lisboa, é interessante analisar as formas de construção da cidade global enquanto “ideal etéreo”, sem pobreza, migrações ou contestação e enquanto espaços de “paz e segurança”. Esta cidade murada e isolada, não é conceptualmente muito diferente da Génova do G8, da Faixa de Gaza ou da cidade de Lisboa em que a direita nos quer fazer acreditar.
Foucault reconhece a natureza biopolítica da condição desta “nova cidade”. O Biopoder encarrega-se de reger e regulamentar o interior da vida social, seguindo-a, interpretando-a, assimilando-a e reconstruindo-a. Deste modo a vida torna-se um objecto de poder, à medida que a sociedade disciplinar (das fábricas, prisões e escolas) vai sendo substituída pela sociedade de controlo (dos mecanismos “democráticos” de integração e comportamento).
Arundhati Roy, por sua vez, faz uma extrapolação dessa noção para o mundo globalizado, utilizando a metáfora de Frying Pan Park (1). Roy diz ver-se como um dos perus que escolheram poupar, podendo por isso falar e circular dentro do parque/mundo.
Com o crescendo de insegurança alicerçada numa guerra global, a ideia de sociedade de controlo vai vingando no imaginário colectivo, veja-se por exemplo a aceitação que existe hoje dos sistemas vídeo de vigilância das ruas e praças. Por outro lado os “perus de Roy” continuam a circular livremente, só se tornando num problema quando se constituem em “massas” e se “movimentam”.(1) Parque onde, anualmente, o Presidente dos EUA liberta o peru que escolheu poupar por ocasião de Dia de Acção de Graças, revestindo-se este ritual de uma simbologia de misericórdia guerreira. Retirado da intervenção de Arundhati Roy na abertura do III Fórum Social Mundial na Índia: Roy, Arundhati. "Do Turkeys Enjoy Thanksgiving? - Global Resistance to Empire" (http://zmag.org/content/showarticle.cfm?SectionID=15&ItemID=4873) 24 de Janeiro de 2004 [citado em Fevereiro de 2004].