Uma história da minha rua
Actualmente habito num bairro degradado no centro de Lisboa, freguesia da Pena. A minha rua não é uma rua, mas uma travessa, sem saída. Há alguns dias duas viaturas da polícia entraram na minha rua e pararam o automóvel, dirigindo-se a correr e a pé para um edifício que não conseguia ver. Os vizinhos, tal como eu, aproximavam-se de uma forma discreta, das janelas. Passado quinze minutos os polícias recolhem aos automóveis e começam a recuar de marcha a trás. Imediatamente saem para a rua as crianças que usualmente ali brincam e assumem a reconquista da rua. Acabou, NÃO! Com a reconquista da rua é disparada uma música de uma qualquer janela.
A minha rua é habitada por velhos residentes de Lisboa (há mais de 50 anos), prostitutas novas e reformadas, emigrantes indianos, chineses e de países africanos, passadores de droga... População marginalizada e que vê na polícia um factor de insegurança.
Dizer, como Marcelo Rebelo de Sousa disse, que o que se passa em França é uma situação específica desse país, é não se perceber que a cidade é um elemento complexo que reflecte a sociedade em que se vive. É óbvio que cada contexto urbano tem especificidades, mas a globalização do sistema capitalista, da crise, do desemprego, das marginalizações, leva a este tipo de reacções incontroláveis.
Não sou dos que pensa que estes movimentos podem ter um carácter revolucionário e transformador. Mas a sua génese, embora reaccionária (no sentido de ser uma reacção) é profundamente anti-capitalista e por isso interessante de seguir.